Resenha: Wish - O Poder dos Desejos
Nos últimos dez anos, o estúdio de animação da Disney passou por uma fase experimental inovadora com seus clássicos. Com alguns lançamentos impactados pela pandemia da COVID-19 e a emergência do streaming, há quem acredite que o estúdio não é mais o mesmo. No entanto, se o estúdio mudou, o público mudou também.
Dirigido por Chris Buck ("Tarzan" e "Frozen") e Fawn Veerasunthorn, o enredo de "Wish - O Poder dos Desejos" apresenta Asha (Ariana DeBose), uma jovem adolescente que mora no Reino das Rosas, junto com seu avô Sabino, que está prestes a completar 100 anos (Victor Garber) e a sua mãe viúva chamada Sakina (Natash Rothwell).
A monarquia do Reino tem como Rei um feiticeiro chamado Magnífico (Chris Pine) e a Rainha Amaya (Angelique Cabral).
De tempos em tempos, O Rei reúne o povo numa espécie de assembleia, onde ele concede um desejo, supostamente aleatório, e também recebe alguns sonhos sobre o pretexto de protegê-los até o momento certo de realizá-los. E o preço que o povo paga para entregar-lhe os sonhos é o esquecimento do que sonharam. Num determinado momento, diante de uma decepção envolvendo o Rei e a realização do sonho de seu avô, Asha decide questionar o sistema e as decisões do monarca.
Na criação da identidade visual do filme, o estúdio optou por um híbrido de técnicas 3D, 2D e aquarela. Este estilo, na minha opinião, é um dos mais belos no ramo da animação. À primeira vista, pode parecer incomum, mas o resultado final é uma profundidade impressionante que normalmente só seria percebida com o uso de óculos 3D.
A paleta de cores escolhida é mais fria, com predominância de tons de lilás, verde-água, bege, azul escuro e permitem um contraste maior com o dourado da estrela que guia Asha. Essa escolha pode sugerir uma simplicidade visual que talvez não atenda às expectativas daqueles que esperam algo mais colorido e vibrante, semelhante ao estilo de "Moana", "Encanto" e "Mundo Estranho".
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Foto: Reprodução |
A trilha sonora, composta por Dave Metzger, indicado ao Grammy por "Frozen II", e com canções escritas pela cantora e compositora Julia Michaels, também indicada ao Grammy, é agradável. Em minha opinião, os destaques da trilha são: a canção de abertura "Welcome to Rosas", com seus ritmos distintos; "At All Costs", que é um dos melhores duetos que o estúdio apresentou nos últimos anos e que facilmente poderia ter sido uma balada dos anos oitenta cantada por Kate Bush. A canção-tema chamada "This Wish" — o ponto alto da animação — está em pé de igualdade com outras canções icônicas do estúdio, especialmente pelos arranjos vocais de Ariana DeBose. E por último, há o momento que homenageia cerca de cinco clássicos antigos de uma só vez: a contagiante e divertida sequência poética de "I’m A Star".
Certas escolhas do roteiro não são tão revolucionárias, podendo ser comparáveis com o enredo de outras produções recentes, como, por exemplo, o filme animado japonês "Promare" de 2019 e "Nimona" de 2023. Contudo, mesmo que "Wish" tenha sido produzida a serviço das referências de outros clássicos, é preciso levar em conta que não é uma comédia romântica e tão pouco um filme sobre princesas — que geralmente possuem um apelo muito forte com o espectador.
"Wish" é um legítimo conto de fada onde o sonho da protagonista não gira em torno de si, mas em realizar o sonho dos outros. Ao analisar a linha do tempo do estúdio, fiquei surpreso e cativado pela originalidade das aspirações da protagonista, sem contar o fato de que esse é o primeiro longa clássico de animação do estúdio que traz uma fada como personagem central da história.
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Foto: Reprodução |
O vilão, conhecido como Rei Magnífico, pode ser considerado um dos melhores dos últimos anos, especialmente se levarmos em conta o estilo clássico. Nas animações mais recentes do estúdio, o antagonismo surge de um lugar mais complexo, envolvendo personagens ‘quebrados’ pelo próprio medo e desespero. No entanto, no caso do Rei Magnífico, estamos lidando com o pior tipo de ser humano.
Traçando um paralelo com a realidade, o Rei pode ser comparado a um político e pastor evangélico, egocêntrico, ambicioso, manipulador e corrupto, que se esconde atrás da máscara de um homem belo e atraente, com uma oratória convincente e aparente benevolência.
Outro ponto interessante a respeito é que ele se encaixa no arquétipo da Rainha Má. Dependendo da perspectiva do espectador, será possível vê-lo como um personagem queer. Sua presença se torna ainda mais marcante por incorporar referências adoradas, desde a famosa expressão barroca de Ariel sonhando com o mundo humano, assim como os feitiços de Úrsula em "A Pequena Sereia", o figurino e energia de Elsa em "Frozen", Malévola em "A Bela Adormecida" e a Rainha em "Branca de Neve e Os Sete Anões". A dublagem original é excelente, portanto, caso não tenha preferências, recomendo assistir ao filme no idioma original.
Falando em Branca de Neve, os amigos de Asha foram inspirados pelas características dos Anões. Dhalia (voz de Jennifer Kumyiama), melhor amiga de Asha seria Mestre, Simon (voz do ator Evan Peters) seria o Soneca, Gabo (voz do ator Harvey Guillén) seria o Zangado, Safi (voz de Rami Youssef) seria o Atchim, Bazeema (voz de Della Saba) seria Dengoso, Hal (voz de Niko Vargas, compositor e cantora) seria Feliz e o Dario (voz do ator e comediante Jon Rudnitsky) seria o Dunga.
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Foto: Reprodução |
Este mosaico de personalidades distintas evidencia a tentativa do estúdio de preencher os espaços com a diversidade que faltou ao longo de seu centenário. No entanto, a duração do filme não consegue atender à quantidade de personagens, gerando a sensação de que eles foram subaproveitados.
Como mencionei em outra publicação, os dubladores frequentemente servem de inspiração para a composição dos personagens em uma animação. Em "Wish", a dubladora Jennifer Kumyiama, que tem uma deficiência física, assim como sua personagem Dhalia, é um exemplo disso. Niko Vargas, que interpreta Hal, é não-binária, e o ator Harvey Guillén, que interpreta Gabo, é abertamente gay.
Em termos de enredo, algo que me surpreendeu foi o breve destaque dado à Rainha Amaya na segunda metade do filme. Essa, com certeza, foi uma decisão criativa que eu esperava ver e que, felizmente, aconteceu.
Ao longo dos 100 anos do Estúdio, eleger "Wish" como uma animação ruim pode ser injusto, pois dos 60 clássicos animados, dá pra contar nos dedos os que permanecem presentes na memória do público, que dia após dia, se afasta mais desse legado e tradição. É claro que isso não desqualifica as produções menos lembradas, mas isolando o contexto em que foram produzidas, a meu ver, "Wish" consegue ser melhor que várias. São poucas as animações do estúdio que quebraram a barreira do tempo, "A Pequena Sereia", "A Bela e A Fera", "O Rei Leão", "Mulan" e "Frozen" são alguns desses exemplos. Estas possuem um impacto tão forte na cultura pop que fica difícil pra qualquer outra animação ser comparada.
Existiram muitas tentativas inovadoras que não deram muito certo. Por exemplo, basta voltar no tempo, em 1940, quando o segundo longa animado do estúdio, "Pinóquio", recebeu um altíssimo investimento mas quase quebrou a Companhia pela baixa recepção do público devido às comparações com Branca de Neve.
Há muito tempo que diversos estúdios de animação vem se destacando no mercado, tanto na área técnica como na arte de contar histórias, mas no geral, a forma como a maior parte do público reage às produções está cada vez mais pueril, o que se torna um grande desafio para as empresas. E nesse ritmo, a Disney começou a ficar para trás, tentando manter sua antiga fórmula, mas atualizando o discurso dos conflitos, tornando-os mais complexos sem o viés da velha dicotomia entre o bem e o mau e ainda com a preocupação excessiva de aliar a inclusão e representatividade sem mexer no vespeiro da grande parcela do seu público mais conservador.
Dito isso, "Wish" é uma animação muito boa mas que possui o pesado fardo de carregar sozinha a celebração dos 100 anos de um estúdio que, atualmente, parece não saber muito bem o que fazer. Talvez seja a hora de fazer um desejo a estrela.
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