Resenha: A Forma da Água

Entre 1947 e 1991, os Estados Unidos e a União Soviética disputavam uma hegemonia política, militar e econômica do mundo. Enquanto os EUA defendiam o sistema capitalista, a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) defendia o movimento socialista. Esse período ficou conhecido como Guerra Fria, e é dentro desse contexto, pós-Segunda Guerra Mundial, que se passa "A Forma da Água".

Foto: Reprodução

Dirigido, produzido e escrito pelo Guillermo del Toro, o enredo mergulha em torno de Elisa (Sally Hawkins), uma mulher que mora num apartamento que fica sobre um cinema decadente, e que tem dois grandes amigos; seu vizinho Giles (Richard Jenkins) com quem ela assiste vários musicais, e sua amiga Zelda (Octavia Spencer), com quem trabalha de zeladora num centro de pesquisa dos EUA.
Certo dia, chega ao centro de pesquisa, um ser humanoide, capturado na América do Sul, que desperta a atenção do governo em usá-lo como vantagem politica em relação a União Soviética.
Elisa se sente intrigada e secretamente começa a se comunicar com o homem anfíbio através da linguagem de sinais e com algumas músicas no seu toca-disco. E é nesse "silêncio" compartilhado que eles se apaixonam.

A princesa dessa fábula não fala com a voz, mas com ações. A atriz Sally Hawkins, a meu ver, deveria ter levado o Oscar de Melhor Atriz. Seu trabalho é realmente adorável. Ela consegue cativar, emocionar, carregar toda leveza e drama no olhar. É uma atuação desprendida de qualquer julgamento. A atriz Octavia Spencer traz um suporte cômico e dramático estonteante, assim como o ator Richard Jenkins que interpreta Giles. Uma coadjuvação de respeito, pra ninguém botar defeito. Ambos concorreram ao Oscar de Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante.
O ator Michael Shannon consegue despertar graça e horror interpretando um homem infeliz, amargurado, imerso no conceito da masculinidade feroz de precisar ser sempre o melhor para validar-se como homem. O ator Michael Stuhlbarg, que interpreta Dr. Robert Hoffstetler, o cientista e espião, consegue se metamorfosear a cada personagem que incorpora.
Numa entrevista, o diretor disse que, para interpretar o Homem-peixe, queria alguém que fosse um grande artista. Segundo del Toro, o ator Doug Jones carrega essa energia única, ideal para trazer à tona a essência desse ser místico e não haveria escolha melhor para o papel.

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A propósito, é muito importante enaltecer o protagonismo brasileiro dessa história. O Homem-anfíbio tem relação direta com a lenda do Caboclo d'Agua, um tipo de entidade que vive nos rios como o São Francisco. Pouco sai de dentro das águas e vive a atormentar quem se aproxima. Ele é retratado como metade homem e metade peixe. A principal referência usada em "A Forma da Água" para compor a aparência do humanoide veio da obra de 1954, "O Monstro da Lagoa Negra" (Creature from The Black Lagoon) dirigida pelo Jack Arnold.

Em "A Forma da Água", a cinematografia de Dan Laustsen e o design de produção por Paul D. Austerberry são formidáveis. Nessa revisão, me embriaguei ainda mais com os incontáveis tons de verde contidos na história. Detalhes sutis, como o reflexo da luz ao tocar a água numa parede escura por exemplo, que me fizeram assimilar como se todos os cenários e personagens fossem partes de um único organismo vivo. E sinto que realmente essa era a ideia da "Forma". A água está em tudo.
Outro grande destaque, por exemplo, foi a roupa especial usada pelo Homem-anfíbio. Tem uma textura muito verossímil com a de um animal marinho real, com os olhos retocados com um CGI extremamente realista.

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A trilha sonora composta pelo francês Alexandre Desplat (responsável pelas trilhas de "O Curioso Caso de Benjamin Button", "O Discurso do Rei" e "Argo") é um verdadeiro deleite. Meu mundo se iluminou ao ouvir Carmen Miranda cantando "E vem a saudade da Bahia…" na música "Chica Chica Boom Chic". Outro momento musical memorável é com a canção "You’ll Never Know" cantada no filme pela Renée Fleming. A canção foi vencedora do Oscar de Melhor Canção Original em 1943, do filme "Aquilo, Sim, Era Vida!" (Hello, Frisco, Hello).

Sete anos atrás, no cinema, parecia que estava no Festival de Cannes, a sessão foi encerrada com palmas calorosas, dos mais jovens aos de mais idade. Há quem trate e espere do cinema apenas um mero entretenimento, mas esse aqui uma obra-prima que navega com o humor, romance, drama, suspense e merece ser saboreada e apreciada sempre.
E recomendo imensamente o livro, escrito durante a produção do filme, que consegue, a meu ver, ser melhor até mesmo que a adaptação para o cinema.

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A Forma da Água foi o recordista de indicações no Oscar 2018, ao total foram 13: Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora Original, Roteiro, Fotografia, Montagem, Figurino, Direção de Arte, Mixagem e Edição de Som. Venceu nas categorias de Melhor Design de Produção, Melhor Trilha Sonora, Melhor Diretor e o prêmio principal de Melhor Filme.

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